Viagens no tempo ajudam a contar história sobre escravidão em livro
Viagens no tempo são geralmente usadas na ficção científica para entreter. “De Volta para o Futuro” (1985) é o exemplo clássico. Os paradoxos envolvidos nessas incursões até existem no filme, mas tudo acontece em clima de aventura e diversão.
Outras histórias usam o recurso com um tom mais sério.
É o caso de “Kindred – Laços de Sangue” (editora Morro Branco), da americana Octavia Butler (1947-2006). A autora nos faz viajar no tempo com a protagonista Dana, uma mulher negra da década de 1970 que inesperadamente se vê na fazenda onde seus ancestrais escravizados viviam, em algum momento do século 19.
O propósito desse deslocamento temporal, ela entende logo, é salvar sua própria existência ao proteger a vida de seus familiares.
Dana é uma mulher moderna que vive em Los Angeles e tenta ganhar a vida como escritora enquanto encara uma série de empregos mal pagos — situação também vivida por Octavia.
Mesmo tendo nascido cerca de duzentos anos depois dos parentes que encontra no passado, a personagem também sente o peso do preconceito contra os negros. Dana enfrenta discriminação por ser casada com um homem branco, por querer ser escritora, pela cor da sua pele.
Entre as idas e vindas que acontecem sem aviso, ela acaba por entender as origens de sua própria família e, ao mesmo tempo, Octavia nos conta uma história que não deve ser esquecida.
“Kindred” mostra momentos de angústia que os negros viviam diariamente para poderem sobreviver, presos a um dos sistemas mais cruéis já inventados pelos humanos.
O mecanismo usado para viajar no tempo não é explicado no livro. A autora se preocupa mais em imaginar como seria o encontro dessas duas gerações tão diferentes. Ela faz isso bem e nos leva junto para testemunhar essa reunião.
A experiência da escritora como mulher negra está em toda sua obra e parte da potência de sua escrita vem disso.
Em uma entrevista concedida ao programa de TV do jornalista americano Charlie Rose, em 2000, Octavia disse que escolheu a ficção científica porque, nela, não há muros nem portas fechadas. “Você pode olhar, questionar e brincar com qualquer coisa, absolutamente qualquer coisa”, afirmou.
Em “Kindred”, a autora prova que sabe usar a flexibilidade do gênero como poucos, mostrando a brutalidade do racismo ao colocar presente e passado no mesmo cenário.
Publicado em 1979, o livro chegou ao Brasil apenas no ano passado. É justiça feita a uma das autoras mais importantes da área.
Nos últimos anos, editoras nacionais têm feito o esforço para trazer escritoras que, embora já sejam consagradas no meio da ficção especulativa, eram praticamente desconhecidas por aqui.
As novas edições em português de livros das escritoras Margaret Atwood, autora de “O Conto da Aia” (editora Rocco), e Ursula Le Guin, autora de “Os Despossuídos” (editora Aleph), são exemplos desse movimento.
Octavia cravou seu nome ao lado de Ursula e Margaret não só pelo sucesso de vendas que foi, mas também pelos prêmios que ganhou. Ela foi vencedora de dois prêmios Hugo e dois Nebula, os mais importantes da área.
E podemos esperar mais: a editora Morro Branco lança no mês de maio “A Parábola do Semeador” (Parable of the Sower), outra ficção científica da autora inédita no Brasil.
Publicada originalmente em 1993, a obra trata de temas recorrentes nas histórias de Octavia, como feminismo e violência contra minorias.
KINDRED – LAÇOS DE SANGUE (KINDRED)
AUTORA Octavia Butler
TRADUTORA Carolina Caires Coelho
EDITORA Morro Branco
QUANTO R$ 59,90 (capa dura); R$ 29,90 (brochura)
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