Peça distópica em cartaz em SP atualiza temas clássicos de ficção científica
A peça “Os 3 Mundos” é programa obrigatório para os fãs de ficção científica que estão em São Paulo ou passam pela cidade até o mês de dezembro.
Encenada entre projeções feitas em duas telas, a obra é o primeiro texto para teatro dos quadrinistas Gabriel Bá e Fábio Moon, responsáveis pelas adaptações em HQ de “Dois Irmãos” (Milton Hatoum) e “Como Falar com Garotas em Festas” (Neil Gaiman).
A linguagem de quadrinhos está presente nas projeções, com as quais os atores interagem o tempo todo. Em alguns momentos, a sensação é a de estar assistindo a um filme, tamanha é a força da sincronização e da trilha sonora, que conta com música original de Marcelo Pellegrini (veja o vídeo da abertura da peça abaixo).
O espetáculo distópico dirigido por Nelson Baskerville conta a história de Lachesis (Paula Picarelli), líder de um tipo de culto que tem a serpente e o kung fu como elementos centrais. O grupo entra em conflito com o Mundo das Máscaras, tribo chefiada pelo autoritário Acônito (Thiago Amaral).
A manutenção de uma ordem imaginada e frágil é o objetivo dos líderes, seja pela imposição do medo ou do misticismo. O tema é velho conhecido de fãs de ficção científica e está presente em algumas das obras de referência do gênero.
Em “Nós”, do russo Ievguêni Zamiátin (ed. Aleph), o enredo trata do controle de um governo autoritário sob o qual os cidadãos têm pouco poder de escolha e autonomia. Publicado pela primeira vez em 1920, ainda no início da União Soviética, o livro rendeu ao autor perseguição do regime e serviu como base para inúmeras obras que seguiram.
Na história de Zamiátin, os personagens são desumanizados ao perder seus nomes. São números, engrenagens. Em “Os 3 Mundos”, há também uma tentativa de despersonalizar algumas figuras com a adoção de máscaras e uniformes.
A obra do russo foi ainda inspiração para “1984” (ed. Companhia das Letras), do britânico George Orwell. O livro, publicado em 1948, mostra um mundo em guerra perpétua, super-vigiado por um governo totalitário (o Grande Irmão) com o propósito de esmagar as liberdades individuais.
Outro ponto comum entre as três obras é a tentativa de suprimir a história ou distorcê-la, ampliando, minimizando ou inventando acontecimentos para usá-los na retórica como ferramenta de dominação. Se não há um passado o futuro se torna um cheque em branco para que os líderes façam dele o que quiserem.
Na peça, fica indicado que os personagens pouco se lembram ou se conectam com o passado pré-apocalipse.
O assunto atrai cada vez mais público. Em 2017, ano da posse de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos, as vendas de “1984” cresceram 10.000%, segundo um representante da editora que publica o livro no país.
A eleição brasileira também teve um efeito parecido. Segundo a ferramenta Google Trends, que mede as buscas no Google, o termo “fascismo”, que descreve uma ideologia política autoritária, bateu recorde de procura na plataforma na semana do primeiro turno.
Assim, “Os 3 Mundos” chega em boa hora e pode contribuir para o debate, com o diferencial de falar ao público em linguagem acessível e inovadora.
Em cartaz até o dia 16 de dezembro, o espetáculo tem entrada gratuita (reservas pelo site centroculturalfiesp.com.br).
OS TRÊS MUNDOS
QUANDO Qui. a sáb., às 20h, dom., às 19h. Até 16/12
ONDE Teatro do Sesi – Centro Cultural Fiesp, av. Paulista, 1.313
QUANTO Grátis (reservas pelo site centroculturalfiesp.com.br)
AUTORES Fábio Moon e Gabriel Bá
ELENCO Thiago Amaral, Paula Picarelli
DIREÇÃO Nelson Baskerville
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