Série futurista infantojuvenil ataca desigualdades sociais da atualidade
No primeiro contato com “O Ceifador” (ed. Seguinte), livro do americano Neal Shusterman, fica a impressão de que a história contada é um remix das distopias já escritas.
O primeiro livro da trilogia Scythe nos apresenta um futuro no qual a tecnologia gerou tamanha riqueza e conforto que o trabalho é desnecessário. A vida humana se estende indefinidamente, e toda a estrutura do mundo é controlada por uma inteligência artificial onisciente e onipresente: a Nimbo-Cúmulo.
Ao contrário de outras entidades superpoderosas que aparecem em obras do gênero, a Nimbo-Cúmulo não se preocupa obsessivamente com vigiar e punir os que estão debaixo de seus cuidados, mas se dedica a fornecer os meios para que as pessoas desse futuro se sintam plenamente realizadas. Ela é bem diferente do Grande Irmão do “1984” de George Orwell, por exemplo.
Com um planeta cheio de harmonia, a sociedade decide que, para manter o equilíbrio, algumas pessoas simplesmente precisam morrer. Assim nasce a Ceifa, a organização criada para dar conta da demanda mortífera.
A série acompanha então dois jovens (Rowan e Citra) escolhidos para integrar a Ceifa e mostra a trajetória deles enquanto aprendizes e, em seguida, ceifadores.
Ao avançar na leitura, percebemos que o livro permite reflexão sobre inúmeros aspectos do presente e do futuro. A brevidade da vida –e as tecnologias que podem estendê-la–, e as desigualdades sociais são dois desses temas presentes no texto.
A possibilidade de que a tecnologia elimine empregos e torne a renda ainda mais concentrada é uma das preocupações que temos hoje. Vimos, ao longo dos últimos anos, dezenas de funções perderem sua razão de existir diante das inovações, geralmente controladas por poucas grandes empresas.
Quando lemos uma história na qual a sociedade consegue gerenciar tão bem o avanço da tecnologia e ainda fazer uma distribuição de renda que permite a todos uma vida confortável, pensamos sobre os caminhos que precisamos trilhar para ter um futuro menos catastrófico do que o que se desenha hoje para nós.
Embora a ação do livro se desenvolva nas cenas de morte e intrigas dentro da Ceifa, o contexto em que essas pessoas vivem nos provoca. É inevitável pensar em como seria se conseguíssemos, como sociedade, realizar a mesma façanha. Quão diferente o mundo seria?
Motivar o exercício de pensar em diferentes possibilidades para o mundo é talvez o principal ingrediente de uma boa ficção científica.
O segundo volume da trilogia, “A Nuvem”, já está publicado no Brasil, também pela editora Seguinte. O encerramento da série, “The Toll” (o pedágio), foi lançado nos Estados Unidos no fim do ano passado e ainda não está disponível em português.
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